sexta-feira, 25 de maio de 2018

Se eu conversasse com deus



Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?



Poeta: Leandro Gomes de Barros

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Versos Íntimos



Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos
Livro: Eu, 1912



sexta-feira, 11 de maio de 2018

Psicologia de um Vencido



Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme -- este operário das ruínas --
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Augusto dos Anjos
Livro: Eu, 1912

Confira a música feita pela banda Baiana,
Parnaso da Modernidade em:

sexta-feira, 4 de maio de 2018

A menina

A menina que voava
De repente perde as asas
E não mais ela voava
De repente pisava em brasas

Chão rachado sertanejo
Sem chuva para molhar
Sem água para beber
Sem terra para plantar

No sonho dela havia água
Nos sonhos dela que eram verdes
Hoje só há galhos secos
Onde nenhum rio deságua

E essa menina cheia de esperança
De melhorar sua vida um dia
Trabalha calejando as mãos
Suando no pingo do meio dia

A menina que outrora voava
E com campos verdes sonhava
Finda sua vida deixando de herança
Em cada coração de um filho
Amor, carinho e esperança.

Dedicado à minha mãe.